A África está apostando tudo em seus maiores projetos de infraestrutura. Em Rabat, Marrocos, o Fórum Africano de Investimentos (AIF) encerrou sua quarta edição com um anúncio bombástico: $15,2 bilhões em financiamento mobilizados para as obras mais ambiciosas do continente. Esse montante representa não apenas números em uma planilha, mas um sinal de transformação profunda na forma como o desenvolvimento africano é financiado e estruturado. Sob a liderança do economista mauritano Sidi Ould Tah, presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (AfDB), o evento mostrou que a África está finalmente tomando as rédeas de seu próprio destino econômico.
Um novo modelo de desenvolvimento para a África
O Fórum Africano de Investimentos nasceu em 2018 como resposta a um problema estrutural do continente: a falta crônica de projetos viáveis de infraestrutura. Fundado pelo AfDB em parceria com instituições como o Banco de Desenvolvimento da África do Sul (DBSA), o banco pan-africano Afreximbank e a Corporação de Financiamento da África, o AIF trouxe uma abordagem inovadora aos desafios do financiamento continental.
Os números falam por si: a África necessita entre $130 bilhões e $170 bilhões anuais em investimentos de infraestrutura para acelerar seu crescimento. Ao mesmo tempo, 80% dos projetos de infraestrutura do continente fracassam na fase de viabilidade. Desde sua criação, o AIF já viabilizou transações avaliadas em $32 bilhões, convertendo ideias em realidade concreta.
Uma reviravolta na pan-africanidade
O que distinguiu este ano do Fórum foi a mudança paradigmática em sua estrutura. Diferentemente das conferências comerciais tradicionais – repletas de networking superficial em caros destinos de turismo corporativo – o AIF criou mercados estruturados ao redor de projetos cuidadosamente selecionados e preparados.
Cada projeto apresentado já possuía avaliações de viabilidade, impacto social e ambiental concluídas. Um time de profissionais experientes em investimentos e desenvolvimento percorreu o continente em busca dos melhores projetos, trabalhando com governos e assessores para deixá-los prontos para apresentação aos maiores bancos comerciais e instituições de desenvolvimento do mundo.
O momento capturou uma essência diferente: projetos africanos sendo apresentados por instituições africanas para financiadores globais. Esse é um rompimento explícito com o modelo pós-independência, quando instituições americanas, europeias e mais recentemente chinesas desenvolviam e impunham projetos aos governos locais. Desta vez, as cartas estavam nas mãos dos africanos.
O poder crescente dos investidores do Golfo
A presença de investidores do Golfo Pérsico marcou uma tendência clara: o Banco Saudita de Exportação e Importação, o Banco de Desenvolvimento do Qatar e fundos islâmicos dos Emirados Árabes Unidos estão aumentando suas apostas no desenvolvimento africano. Esse movimento não é casual – reflete a estratégia de Sidi Ould Tah, escolhido como presidente do AfDB justamente por sua capacidade de mobilizar capital do Golfo para projetos do banco.
Gigantes financeiras como JPMorgan, Deutsche Bank, Standard Bank e Standard Chartered também estiveram presentes nas reuniões fechadas. Agências como a Agência Japonesa de Cooperação Internacional e o Banco Europeu de Investimentos complementaram o cenário de financiadores globais dispostos a investir na infraestrutura africana.
Reformas econômicas abrem portas para o investimento
Nem todos os 54 países africanos estavam representados em Rabat. Aqueles que compareceram compartilhavam características comuns: reformas econômicas estabelecidas, estabilidade política relativa e, crucialmente, abertura ao setor privado e ao modelo de parceria público-privada (PPP). Essa última característica está se tornando o grande diferencial de desenvolvimento no continente.
Marrocos, país anfitrião do evento, reiterou seu compromisso em limitar a participação estatal em projetos a apenas 25%. Angola, abandonando o modelo de controle estatal adotado desde 1974, acelerou tanto seu programa de privatização quanto a adoção de PPPs, trazendo vários projetos vinculados ao desenvolvimento do Corredor de Lobito. A África do Sul, historicamente relutante em adotar o modelo de PPP, também sinalizou transformações através de seu DBSA.
Projetos gigantescos que transformarão a conectividade africana
Dos 41 projetos apresentados no evento, 38 foram considerados “bankáveis” – isto é, prontos para financiamento. O setor de energia e energias renováveis concentrou 15 desses projetos, enquanto os projetos de transporte, coletivamente, somavam o maior valor: $17 bilhões.
O destaque foi o novo aeroporto internacional que a Etiópia está desenvolvendo. A Etiópia Airlines Group planeja construir a instalação a 65 quilômetros de Adis Ababa, em Bishoftu, com capacidade inicial de 60 milhões de passageiros e ambição final de alcançar 100 milhões. Os ganhos são múltiplos: a redução de altitude permitirá maior alcance para aeronaves, possibilitando voos diretos para os EUA e Ásia, transformando a Etiópia no principal hub continental. Em apenas 10 minutos após a apresentação do projeto na sala de reuniões, mais da metade dos $8 bilhões necessários foi assegurada.
Igualmente significativo é o Corredor de Lobito, um projeto ferroviário que liga a Copperbelt zambiana ao porto de Lobito em Angola. Complementando essa infraestrutura, a linha de transmissão de alta voltagem Lauca-Kolwezi – com 1.150 quilômetros de extensão – conectará a usina hidrelétrica de Lauca, em Angola, à região mineira de Kolwezi, na República Democrática do Congo, transformando a geração e distribuição de energia no coração do continente.
Uma geração de profissionais moldando o futuro
O que impressionou observadores foi a ausência de clichês tradicionais dos eventos de investimento africanos. Não havia discursos ministeriais desconexos e rambling, nem burocratas acumulando diárias enquanto fingem comparecer. Em seu lugar havia profissionais jovens, muitos com mais de uma década de experiência em financiamento de desenvolvimento, medindo sucesso pela conversão de interesse em projetos para fechamento de transações financeiras, não por ganhos de aluguel político.
O foco, a coreografia cuidadosa e a apresentação polida criaram um sentimento palpável de confiança entre os delegados. Uma descrição capturou a essência do evento: “Um bom show. Para a África. Pela África.” Essa mudança de narrativa – de continente dependente para continente autossuficiente na estruturação de seu desenvolvimento – marca um ponto de inflexão no desenvolvimento africano contemporâneo.
Texto elaborado de forma original, com base em informações de agências de notícias e veículos especializados, sem reprodução literal do conteúdo das matérias citadas.
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Data original da publicação: 05/12/2025
