Investimentos coordenados em computação de alto desempenho movida a fontes renováveis podem liberar entre US$ 1,2 trilhão e US$ 1,5 trilhão em valor econômico na África até 2030, ao mesmo tempo em que fortalecem a soberania digital do continente na era da inteligência artificial (IA). Esse potencial depende de superar o chamado “paradoxo da computação”, em que a construção de novos data centers não basta, porque faltam unidades de processamento gráfico (GPUs) acessíveis, energia estável e modelos de negócios capazes de garantir uso intenso dessas infraestruturas.
Computação verde e o paradoxo da capacidade
Pesquisadores e empreendedores africanos já desenvolvem aplicações de IA em áreas como agricultura de precisão e diagnóstico por imagem, demonstrando capacidade técnica e demanda real por poder computacional avançado. No entanto, o acesso a GPUs de última geração continua restrito, elevando custos de treinamento de modelos e limitando a escala de soluções locais.
Apesar de abrigar cerca de 18% da população mundial, o continente detém menos de 1% da capacidade global de data centers, e uma fatia ainda menor da infraestrutura de GPUs que viabiliza a IA moderna. Sem uma malha robusta de computação, a África corre o risco de ser apenas consumidora de tecnologias importadas, em vez de protagonista na criação de soluções adaptadas às suas realidades.
Estudos citados por especialistas ouvidos pelo Fórum Econômico Mundial apontam que, nos próximos três anos, pesquisadores, startups e pequenas e médias empresas africanas podem acumular um déficit de cerca de 7 milhões de horas de GPU para treinar modelos de IA, enquanto apenas uma minoria tem acesso confiável a computação avançada. Esse quadro revela demanda reprimida, limitada não pela falta de ideias, mas pela ausência de infraestrutura adequada e de condições econômicas para utilizá-la.
Ao mesmo tempo, surgem projetos relevantes de infraestrutura: o campus IXAfrica, em Nairóbi, já opera com foco em serviços de nuvem e formou parceria estratégica com a Safaricom para oferecer ambientes preparados para IA. No Quênia, um acordo entre Microsoft, a empresa G42, de Abu Dhabi, e o governo local prevê novos investimentos em data centers, ainda com cronograma em evolução.
No Senegal, o Datacenter Nacional de Diamniadio, inaugurado em 2021, integra a estratégia do país de ampliar a capacidade digital, enquanto a Cassava Technologies firmou parceria com a NVIDIA para instalar cerca de 12 mil GPUs em sua estrutura de fábrica de IA. Esses movimentos indicam que a oferta física de infraestrutura cresce, mas ainda não resolve, por si só, a distância entre capacidade instalada e uso efetivo.
Empresas africanas de tecnologia vêm tentando preencher essa lacuna com modelos compartilhados: a Udutech, por exemplo, oferece serviços de GPU como serviço, permitindo que pesquisadores e negócios de impacto utilizem computação de alto desempenho sem adquirir equipamentos caros. Outras iniciativas, como a Amini.ai, se concentram em processar dados fragmentados e criar modelos fundamentais que possam ser aplicados em setores produtivos, especialmente em países do Sul Global.
Mesmo assim, muitos operadores de data centers relatam estantes subutilizadas e retornos abaixo do esperado, resultado de demanda ainda incerta e do alto preço das GPUs no mercado internacional. Em alguns países, o custo de uma única GPU topo de linha se aproxima da renda anual média de um cidadão, o que evidencia a dificuldade de pequenos atores acessarem essa tecnologia.
Capital de impacto e rota para a computação verde
Especialistas descrevem a situação como um sistema preso em um “equilíbrio baixo”, marcado por falhas de mercado que se reforçam mutuamente. Entre os fatores apontados estão o encarecimento do crédito para projetos de infraestrutura africanos, a falta de coordenação entre investimentos em energia, conectividade e regulação, assim como pouca transparência sobre a real demanda por computação avançada.
A carência de profissionais qualificados para explorar plenamente o potencial das GPUs agrava o problema, já que orçamentos de capacitação muitas vezes não acompanham o ritmo dos investimentos em hardware. Além disso, ainda não há consenso global sobre os melhores modelos de negócios para vender tempo de GPU, precificar workloads de IA e repartir custos e benefícios entre provedores, governos e usuários finais.
Romper esse ciclo pode acionar um “efeito volante”: o acesso antecipado à computação estimula novos casos de uso, que por sua vez reduzem a percepção de risco e atraem mais capital, aumentando a taxa de ocupação dos data centers e ajudando a baixar custos unitários. Exemplos citados incluem a InstaDeep, fundada na Tunísia, que ao investir em um sistema NVIDIA DGX em 2018 acelerou seu crescimento até ser adquirida pela BioNTech, e a instalação de centros de computação alimentados por energia geotérmica na região de Olkaria, no Quênia.
Nesse contexto, a chamada “computação verde” — isto é, infraestrutura de alto desempenho ancorada em fontes renováveis como solar, eólica, hídrica ou geotérmica — aparece como via estratégica para a África ampliar sua capacidade digital sem repetir trajetórias de alta emissão de carbono. O continente dispõe de abundantes recursos renováveis, o que permite projetar data centers de baixo custo operacional e menor impacto ambiental, condição fundamental para uma expansão sustentável da IA.
Investidores tradicionais reconhecem o potencial econômico dessa agenda, mas ainda enxergam riscos elevados e demanda em estágio inicial, o que torna o papel da filantropia e do capital de impacto especialmente relevante. Esses recursos podem assumir parte dos riscos iniciais, por meio de instrumentos como capital de primeira perda, garantias e mecanismos de proteção cambial, além de financiar plataformas de coordenação de demanda e fundos de criação de negócios voltados à computação verde.
Analistas estimam que a formação de um mercado maduro de infraestrutura de computação costuma levar de cinco a sete anos, período no qual investimentos catalíticos podem preparar o terreno para a entrada em larga escala de capital comercial. Na visão dos articuladores dessa agenda, alinhar políticas públicas, energia limpa, financiamento e desenvolvimento de talentos é o que permitirá transformar a IA em motor de prosperidade compartilhada, em vez de aprofundar dependências tecnológicas.
É nesse espírito que surge a Africa Green Compute Coalition (AGCC), iniciativa ligada a um hub de IA para o desenvolvimento sustentável que busca demonstrar, por meio de projetos concretos, como infraestruturas de computação verde, acessíveis e distribuídas podem impulsionar inovação em todo o continente. Atuando como orquestradora de sistemas, a coalizão procura conectar governos, empresas de energia, instituições financeiras e especialistas em tecnologia para garantir que cada novo investimento em infraestrutura resulte em uso real, inclusão digital e impacto econômico mensurável.
Texto elaborado de forma original, com base em informações de agências de notícias e veículos especializados, sem reprodução literal do conteúdo das matérias citadas.
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Data original da publicação: 02/12/2025
